Monday, July 31, 2006

delírio constante



Delírio constante.
Ocupas a minha mente como se de um neurónio te tratasses.
Diferes destes não só em matéria como de presença igualmente.
O senhor neurónio é dono de uma existência despercebida.
É uma presença constante que se move nas curvas da massa cinzenta sem que um gesto seja notado.
Mas tu!
Tu és um desconhecido ser sem uma forma física aparente,
és um imaginário, um pedaço de céu, uma bola de algodão.
Arrastas os pés à medida que conquistas mais um espaço na tua nova habitação, onde coabitam os seres que me dão a razão.
Aniquilas um por um e tornas-te o Senhor dos Meus Pensamentos.
Cada passo teu sinto.
Acordo e dizes-me bom dia.
Deito-me e dizes-me adeus mas logo te vejo quando invades os sonhos que dizem ser dos deuses.
Vieste e não pediste licença.
Nem bateste à porta.
Quem és tu?
Quem te chamou?
Não te quero aqui.
Vai-te embora.
Deixa-me só.
Reúno forças para te combater com a minha espada doirada mas cada facada dada é o teu alimento.
Sinto-me fraca e tu forte.
Vejo o teu sorriso mas não ouso tocar-te.
Tenho medo.
Não te conheço.
Apenas te reconheço.
Sou uma desconhecida que pousa os pés no chão mas logo os levanta para caminhar em vão.

Saturday, July 22, 2006

Em nome do Amor Puro..

"O que quero fazer é o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguem se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Teixeira de Pascoaes meteu-se num navio para ir atrás de uma rapariga inglesa com quem nunca tinha falado. Estava apaixonado, foi parar a Liverpool. Quando finalmente conseguiu falar com ela, arrependeu-se. Quem é hoje capaz de se apaixonar assim?
Hoje em dia as pessoas apaixonam-se por uma questão prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão mesmo ali ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato. Por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.
(...)
O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnam-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica da camaradagem. A paixão que deveria ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas em vez de se apaixonarem de verdade, tornam-se praticamente apaixonadas.
Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há. Estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores de romance, romanticidas.
Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o medo, o desequilíbrio, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?
(...)
Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Por onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, fachada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassado ao pessoal da pantufa e da serenidade.
Amor é amor. É essa a beleza. É esse o perigo (...) O nosso amor é para nos amar, para levar-nos de repente ao céu, a tempo de ainda apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma conveniência assassina.
(...) É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita(...) O amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe.
Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito deseperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das maõs. E durante o dia e durante a vida, quando não está lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem.
Não é para perceber. É sinal de amor puro...amar e não se ter, querer e não guardar esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste (...) Não se pode ceder, não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a vida inteira (...) Só um minuto de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também."
Miguel Esteves Cardoso in Último Volume (1996: pp.75-77)

Monday, July 17, 2006

Indiferença humana

Existimos todos perante seres tão indiferentes. Desconhecedores das nossas essências.
(ler devagar).


Vejo-te, mas tu não me vês.
Observo-te, mas desconheces o meu ser.
Eu sou sombra...e tu luz.
Incapaz de uma palavra sou.
Coragem? tenho.
Encontro a tua porta e ela desaparece.
A minha entrada...logo se afasta mas logo aparece.
Levanta-se do chão e regressa para te contemplar na esperança de...
se ao menos tu soubesses.


Escrito na companhia dos MONO