Thursday, August 31, 2006

As minhas Asas de Almeida Garrett

Este é um poema lindíssimo de Almeida Garrett

Chamar-lhe-ia também: A "fatal" passagem ;)


Aqui está:


Eu tinha umas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Que, em me eu cansando da terra,
Batia-as, voava ao céu.
- Eram brancas, brancas, brancas,
Como as do anjo que mas deu:
Eu inocente como elas,
Por isso voava ao céu.
Veio a cobiça da terra,
Vinha para me tentar;
Por seus montes de tesouros
Minhas asas não quis dar.
- Veio a ambição, coas grandezas,
Vinham para mas cortar,
Davam-me poder e glória;
Por nenhum preço as quis dar.
Porque as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Em me eu cansando da terra
Batia-as, voando ao céu.
Mas uma noite sem lua
Que eu contemplava as estrelas,
E já suspenso da terra,
Ia voar para elas,
- Deixei descair os olhos
Do céu alto e das estrelas...
Vi, entre a névoa da terra,
Outra luz mais bela que elas.
E as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Para a terra me pesavam,
Já não se erguiam ao céu.
Cegou-me essa luz funesta
De enfeitiçados amores...
Fatal amor, negra hora
Foi aquela hora de dores!
- Tudo perdi nessa hora
Que provei nos seus amores
O doce fel do deleite,
O acre prazer das dores.
E as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Pena a pena, me caíram...
Nunca mais voei ao céu.

Monday, August 14, 2006

(sem título)

Escondo-me por entre olhares e sorrisos.
Num mundo que dizem ser belo, interessante e cativante.
Vós que dizeis tal absurdo,
olhai para dentro de mim e
veréis como sou má, cruel e vil.
Esta é a minha natureza.
Escondo-me por detrás de cortinas,
de pele e células.
São elas o meu corpo.
Desejo ser água, árvore e folha.
Transparente, grande e pura.
Desejo ser uma e não duas.
Uma e não três.
Prefirais ser mil?
Eu prefiro ser o primeiro algarismo dele.
Desejo ser luz e não sombra.
Água e não lama.
Mas o escuro enaltece-me
e a luz enfurece-me.
Reparai na capa humana,
e vejais por certo, contentamento.
Observai esta mente magnificente,
e vejais a razão do meu escarnecimento.
Sou duas e não uma.
O adicionamento da bela e da monstra.
Ah, vil pensamento.
Deixai-me ser uma e não duas...
Cão, mas não gato...
Folha, mas não espinho...

Wednesday, August 09, 2006

Como dói saber que o passado já lá vai.
Saber que o que foi não volta.. jamais.
Um presente que nunca teve lugar,
Um passado inconsequente que arrasta um futuro imprudente.
Renascer para tornar o amanhã diferente.
É isto que desejo.
Dizer adeus para nunca mais...
nunca mais recordar o que foi e o que...(por algum motivo)
lá já vai.

Uma? Duas? Três? Mil? Quatro? eis a questão...

Monday, August 07, 2006

Compreendo o que outrora escreveu Bernardo Soares encarnado em Fernando Pessoa

"E assim sou, fútil e sensível...Tudo em mim é a tendência para ser a seguir outra coisa; uma impaciência da alma consigo mesma, como uma criança inoporutna; um desassossego sempre cresecente e sempre igual. Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre; fixo os mínimos gestos faciais de com quem falo, recolho as enotações milimétricas dos seus dizeres expressos; mas ao ouvi-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da conversa foi a noção do que nela se disse, da minha parte ou da outra parte de com quem falei. Assim, muitas vezes, repito a alguém o que já lhe repeti, pergunto-lhe de novo aquilo a que ele já me respondeu; mas posso descrever, em quatro palavras fotográficas, o semblante muscular com que ele disse o que não me lembra, ou a inclinação de ouvir com os olhos com que recebeu a narrativa que não me recordava ter-lhe feito. Sou dois, e ambos têm a distância - irmãos siameses que não estão pregados. " Fernando Pessoa in Livro do Desassossego (1998: p.53)

Como te compreendo. Sou quase nunca uma. Existirá algures apenas um? "Somos aquilo que demonstrámos". Como te enganas. Somos aquilo que não demonstrámos. Somos o eu que ninguém conhece. Uma fraude somos. Quero ser árvore, pássaro, peixe, bolota. Rio, mar, sol, chuva. Tudo menos mais do que uma.


(Árvore? Peixe? Bolota? Pássaro? dirigem-se para onde? Para lado algum. Nascer, existir e morrer. O fim pelo qual todos esperam e desesperam. Aceitar , é esse o caminho. Mas que raio de caminho é este? O ponto de partida: um útero. O ponto de chegada: o nada? Vejo uma luz e acabo na escuridão? Saio para atingir o pó? Então será: Nascer para se tornar pó. Mãe!?vou ser pó. Que aleg(o)ria esta de viver... Estou feliz. Vou ser pó.)


(lol)
Só me aptece fazer poemas quando te vejo
e nunca te disse nada porque talvez me agrade
não te dizer nada e ter-te assim
como te imagino
minha sem seres minha porque
revejo o meu silêncio no teu
e se é verdade que há ruído sempre que te vejo
sempre que te vejo faz-se silêncio
e eu ouço apenas o vento que varre a cidade
e lava as folhas secas
e acaricia o cimento pesado dos prédios
e então eu vejo nos teus passos a minha busca
e na tua maneira apressada de olhar
a dança frenética do vento
e nos teus olhos aquele fogo escuro
que me faz querer reconstruir o mundo
e acompanhar o vento na sua dança louca
entre o cimento desta cidade
e dizer-te que a tua busca é a minha
e dizer-te que o teu silêncio é o nosso
e que os teus olhos fazem com que me perca
no meio de tudo isto....

(num poema de amor há vento, fogo,silêncios falsos e verdadeiros também,mas não há, nunca, pontuação)
César Adão